Raízes e Horizontes
Quando o capital encontra a produção
O dilema entre crédito privado e financiamento institucional
Colabore com nossa manutenção: pix@tribuna.com.br Mesmo em empreendimentos ainda sem faturamento, o Brasil dispõe de um sistema de crédito rural, industrial e logístico capaz de atenuar riscos e impulsionar a reindustrialização territorial — se houver gestão técnica e visão de longo prazo
O DILEMA ENTRE CAPITAL PRIVADO E CRÉDITO INSTITUCIONAL
O Brasil vive uma contradição silenciosa: enquanto fundos e investidores reclamam da falta de projetos seguros, milhares de empreendimentos agroindustriais e logísticos seguem parados por ausência de capital de giro e revitalização.
O que muitos desconhecem é que as linhas de crédito do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) e os programas do BNDES já preveem condições especiais para projetos de reestruturação produtiva, mesmo antes do faturamento, desde que apresentem projeto técnico e governança adequada.
Essa lacuna entre o crédito disponível e o crédito acessado não é um problema de escassez de dinheiro, mas de falta de intermediação qualificada — de quem consiga traduzir o potencial produtivo do território em linguagem bancável.
O QUE DIZ O MANUAL DE CRÉDITO RURAL
O Manual de Crédito Rural (MCR), do Banco Central, é um verdadeiro compêndio de oportunidades. Ele define programas de custeio, investimento, industrialização e comercialização aplicáveis a empresas agroindustriais de qualquer porte — inclusive em processo de revitalização ou modernização.
Dentre as linhas mais relevantes estão:
- InvestAgro / Prodecoop – para implantação e modernização industrial;
- PCA (Programa para Construção e Ampliação de Armazéns) – ideal para frigoríficos, entrepostos e portos secos;
- Inovagro – voltado à automação, eficiência energética e rastreabilidade;
- RenovAgro (antigo ABC) – crédito verde para energia limpa e mitigação de emissões.
- Agências de fomento regionais – para infraestrutura logística e capital de giro;
- BNDES Finem Agroindustrialização e Logística – para empreendimentos de grande porte.
Essas linhas combinam prazo de até 20 anos, carência de até 4 anos e taxas entre 5% e 10% a.a., permitindo que projetos complexos tenham tempo de maturação antes de gerar receita.
LINHAS INSTITUCIONAIS COMO MITIGADORAS DE RISCO
Ao contrário do que se imagina, o crédito rural e agroindustrial não se restringe a pequenos produtores.
O próprio Banco Central classifica os beneficiários em três categorias: pequeno, médio e grande produtor (MCR 1-2).
Isso permite que empreendimentos de alto impacto territorial — como frigoríficos, cooperativas, usinas de biogás e plataformas logísticas — obtenham crédito de longo prazo mesmo sem operação ativa, desde que comprovem viabilidade técnica e relevância social ou ambiental.
Para o investidor privado, isso significa redução de risco financeiro, pois parte do CAPEX e do capital de giro pode ser coberta por linhas oficiais com garantia real, enquanto o capital próprio atua como alavanca de crescimento e não como lastro integral.
Em outras palavras: o crédito institucional não substitui o investidor, mas o protege da incerteza, transformando risco em horizonte.
O MAPA FERROVIÁRIO É A RETOMADA DO RIO GRANDE DO SUL
Atualmente lá na Videirainvest temos sobretudo nos concentrado em ações no Rio de Janeiro — nossa terra natal, e no Rio Grande do Sul, um estado recortado por antigas linhas férreas que, por décadas, sustentaram o escoamento de sua produção agropecuária e industrial.
Hoje, esses trilhos — muitos deles abandonados ou parcialmente ativos — representam a chave da retomada econômica pós-enchentes.
Entre os projetos estruturantes está a revitalização do Porto Seco de Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai, que pode voltar a operar como hub ferroviário e aduaneiro, conectando o extremo sul do Brasil ao Porto de Montevidéu e, dali, a duas rotas estratégicas:
- Rumo Leste, via Atlântico, para abastecimento da América do Sul e Europa;
- Rumo Oeste, atravessando an Argentina até Valparaíso, no Chile, de onde o Pacífico se abre para o comércio com an Indochina e o Sudeste Asiático.
A reativação desse eixo ferroviário — Brasil–Uruguai–Chile — não é apenas um gesto de infraestrutura, mas um ato de reconstrução nacional, capaz de reduzir custos logísticos, abrir novos mercados e consolidar a vocação exportadora do Pampa.
O transporte por trilhos emite 75% menos carbono do que o rodoviário e gera empregos qualificados ao longo de toda a malha.
O SILÊNCIO DAS PLANTAS INDUSTRIAIS E O GRITO POR CRÉDITO
Pelo interior gaúcho, multiplicam-se exemplos de instalações agroindustriais inativas — frigoríficos, fábricas de processamento, curtumes, centros de armazenagem.
Em cidades médias, como as do centro do estado, equipamentos de abate de bovinos, ovinos e suínos foram desativados, desestruturando cadeias produtivas inteiras.
Um desses casos, em Júlio de Castilhos, marcou o fim de uma era na suinocultura gaúcha: o fechamento de um grande frigorífico interrompeu o escoamento de toda uma cadeia regional.
Essas estruturas, no entanto, não estão mortas — estão apenas sem crédito.
As paredes, os pátios e os galpões continuam firmes, esperando o momento de voltarem a funcionar, e a população ainda guarda em seu DNA o pertencimento com o elo empreendedor de suinocultura.
O que falta não é capital estrangeiro, mas capital produtivo, ancorado em projetos de engenharia econômica, ambiental e socialmente sustentáveis.
TESE DE INVESTIMENTO PRODUTIVO
A tese é clara: o Brasil não carece de crédito, carece de coordenação.
As linhas do Banco Central e do BNDES não são esmolas fiscais, mas instrumentos de soberania econômica.
Elas existem para transformar o chão em ativo, o passivo em planta produtiva, e o desemprego em oportunidade.
O investidor que compreender essa lógica — que combine recursos próprios e crédito institucional — estará não apenas multiplicando seu capital, mas participando da reconstrução produtiva do país.
Crédito, quando bem estruturado, é o nome técnico da esperança e do bom uso do dinheiro, haja vista, um produto nobre, caro, raro, de difícil acesso e compreensão sobre seu uso, mais etérea ainda.
GAÚCHOS DE PÉ
O Rio Grande do Sul está de pé, ainda que ferido.
Depois das enchentes que arrasaram cidades, pastos e lavouras, é hora de reconstruir com base naquilo que o estado tem de mais sólido: sua gente, seu trabalho e seus trilhos.
O renascimento do Pampa começa com o crédito, mas floresce com o propósito.
Entre o solo e o futuro, há uma malha férrea pronta para conduzir o Brasil de volta à produção — e um conjunto de linhas de crédito esperando por quem tenha a coragem de embarcar.
ENTRE O CAPITAL E O CHÃO
Dias atrás, transitando pelas avenidas de São Paulo — Faria Lima, JK, Paulista —, o contraste me saltou aos olhos.
Edifícios impecáveis, fachadas de vidro refletindo um país que produz menos do que poderia e especula mais do que precisa.
Ali dentro, circulam bilhões, mas há pouca noção de que essa energia financeira, se redirecionada ao investimento produtivo, poderia transformar não apenas planilhas, mas destinos.



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