Chamam de evolução, aquilo que o Futebol rejeita
Por: Marcelo Hallas
Toda vez que o Flamengo resolve puxar um debate estrutural no futebol brasileiro, o roteiro é o mesmo: alguém corre para dizer que o clube “só pensa nele”. Foi assim no passado, é assim agora. E, curiosamente, o tempo quase sempre trata de mostrar quem estava certo.
O debate sobre gramados sintéticos não começou ontem, nem nasceu porque o Flamengo passou a disputar títulos com regularidade contra times que usam o gramado de plástico. Isso é uma falácia conveniente. Essa discussão existe desde pelo menos 2018, quando a própria CBF chegou a colocar na mesa a possibilidade de proibir o gramado sintético no futebol profissional.
Naquele momento, vale lembrar, apenas um clube utilizava esse tipo de piso. O problema era simples, localizado e facilmente resolvível. Mas o futebol brasileiro escolheu o caminho errado.
Numa articulação política liderada pelo então presidente do Athletico-PR, e com uma CBF completamente à deriva, sem liderança e sem coragem, a decisão foi adiada. Empurraram o problema para frente.
O resultado está aí: hoje o debate ficou mais complexo, mais barulhento e mais contaminado por interesses que nada têm a ver com o jogo em si.
E não, isso não é uma cruzada isolada do Flamengo.
É uma discussão que o mundo do futebol já fez, e em grande parte já resolveu.
As principais ligas do planeta não usam gramado sintético por um motivo simples: não é o melhor para o futebol.
Não é opinião de torcedor, é constatação prática.
A Premier League, La Liga, Bundesliga, Serie A italiana, Champions League… Todas jogadas majoritariamente em grama natural ou híbrida de altíssima qualidade.
Se o gramado sintético fosse mesmo o futuro, ele estaria lá. Não está.
Do ponto de vista científico, os estudos são claros em pelo menos um ponto: o gramado sintético muda a dinâmica do jogo e o impacto no corpo do atleta. Pesquisas publicadas em bases como o British Journal of Sports Medicine e analisadas por universidades europeias mostram que o atrito maior do gramado artificial altera movimentos, aumenta a sobrecarga em articulações e gera maior preocupação com lesões específicas, especialmente em tornozelo e joelho.
Outros levantamentos, como os compilados pela FIFA Medical Network, indicam que, mesmo quando os números gerais de lesão se aproximam, a percepção dos jogadores é amplamente desfavorável ao piso sintético.
E percepção importa. Muito.
Jogadores profissionais, ouvidos em estudos divulgados por entidades como a Safe Healthy Playing Fields Coalition e também em relatórios técnicos da FIFA, preferem grama natural. Dizem que o corpo sente mais, que o desgaste é maior, que o jogo muda.
Futebol não é laboratório. Futebol é repetição, impacto, desgaste, calendário pesado. Quem entra em campo sente.
Mas no Brasil, como quase sempre, o debate foi desvirtuado.
O gramado sintético deixou de ser exceção climática para virar solução financeira. Menos custo de manutenção. Mais datas para shows. Mais dinheiro fora do futebol, mesmo que isso custe o futebol em si.
E é aqui que a hipocrisia aparece.
Quando o Flamengo levanta a pauta, não pede proibição imediata, não pede vantagem esportiva, não pede mudança no meio do campeonato. O Flamengo fala em regra, estudo, padronização e cronograma. Fala em proteger o atleta, o espetáculo e o campeonato. Fala, inclusive, em padronizar também os gramados naturais, para acabar com pastos disfarçados de campo profissional.
Ainda assim, a narrativa vira: “o Flamengo só pensa nele”.
Ora, sejamos honestos. Se apenas quatro clubes em vinte usam gramado sintético na Série A, como defender padronização é egoísmo?
Egoísmo é quem defende um piso que os jogadores não gostam, que o futebol de elite não usa, apenas porque ele facilita o balanço financeiro ou a agenda de eventos.
Isso não é modernidade. Isso é conveniência.
E, mais uma vez, o Flamengo ocupa o espaço que a CBF se recusa a ocupar: o de liderança.
No fundo, o incômodo nunca foi o gramado.
O incômodo é o Flamengo.
Ouso dizer, que se o Flamengo anunciar gramado sintético amanhã, pode anotar: surgirão ‘jornalistas’ descobrindo, de repente, que plástico não é futebol.
E no fim, fica a pergunta que ninguém quer responder:
Se o gramado sintético fosse realmente bom para o futebol, por que o melhor futebol do mundo passa tão longe dele?
A resposta está no campo.
E o Flamengo, mais uma vez, está do lado certo da história.



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