Miopia Brasileira: o Brasil que alimenta seus algozes
Por Marcio Minguta | Editorial
A recente derrubada da cobrança do IOF sobre operações financeiras internacionais deveria ser manchete de alívio para a população, mas representa, na verdade, mais um capítulo da autofagia institucional promovida por um Congresso que serve, cada vez mais abertamente, aos interesses de uma elite financeira parasitária. Longe de ser uma vitória do povo, a medida expõe o descompromisso das casas legislativas com a justiça fiscal e social.
O discurso de que se trata de uma “redução de impostos” é falacioso. O que se apresenta como alívio tributário ao cidadão é, na prática, um salvo-conduto à elite rentista e às engrenagens da lavagem de dinheiro institucionalizada. Narcotráfico, sites de apostas ilegais, consultorias de fachada e transferências milionárias via offshores passam agora a operar com ainda menos obstáculos — e menos impostos. O Brasil não caminha para frente: ele se ajoelha.
A estrutura de poder nacional está capturada. O povo, outrora titular do poder constitucional, hoje serve apenas de insumo — de ração — à voracidade animalesca e desumana de um capitalismo distorcido, conduzido por um sistema financeiro míope, extrativista e autodestrutivo. Rentistas e especuladores não apenas influenciam decisões políticas, mas ocupam postos estratégicos no Banco Central, em estatais e nas agências reguladoras, garantindo que seus próprios interesses se sobreponham às necessidades da maioria da população.
Essa elite não representa o empresariado nacional como um todo. Pequenos e médios empresários, que lutam para manter a produção ativa e empregos de pé, são esmagados por um sistema que privilegia quem opera nas sombras e quem lucra sem produzir. A minoria que corrompe, oculta e sonega coloca em risco a saúde de todo o ecossistema econômico. Com a conivência — ou a cumplicidade — dos legisladores, essa casta suga recursos públicos e privados sem devolver absolutamente nada à sociedade.
Chamar de “autofagia” esse processo não é exagero: é um diagnóstico. Parlamentares vendem como conquista o que é, na essência, capitulação. Ao remover o IOF, dizem aliviar a carga do cidadão, mas aliviam apenas os 3% mais ricos, os operadores de capital ilegal, as grandes corporações financeiras e seus esquemas bilionários de evasão fiscal. O povo? Esse continua pagando — e pagando caro.
A verdade incômoda é que o brasileiro médio está sendo conduzido, por campanhas publicitárias caríssimas e narrativas simplistas, a votar sistematicamente contra os próprios interesses. Sem acesso à informação qualificada, preso entre a desinformação e a propaganda, o cidadão escolhe representantes que operam como gerentes do capital e não como defensores do povo.
O resultado está diante de nossos olhos: famílias endividadas, consumo estagnado, economia paralisada e uma elite cada vez mais rica — não por méritos produtivos, mas por manipulação do sistema. Não há capitalismo possível sem consumidores. Não há crescimento sem renda. E não há justiça social sem uma estrutura tributária que cobre mais de quem tem mais.
É preciso romper com essa lógica perversa. Um país que tributa o consumo e a produção, mas isenta grandes movimentações financeiras, está condenado a aprofundar desigualdades. A miopia do rentismo é a destruição lenta e brutal de qualquer perspectiva de desenvolvimento sustentável.
A história julgará os que, em nome de uma falsa liberdade econômica, sacrificaram a soberania fiscal do país e entregaram seu futuro ao capital especulativo. Mas antes que a história o faça, é hora de o povo acordar e reivindicar aquilo que é seu: um sistema tributário justo, um Estado comprometido com o bem-estar coletivo e um país que não trate seus cidadãos como combustível da máquina de lucro de poucos.



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