Marcio Minguta
O Corruptor e o Corrompido: a face ignorada da corrupção no Brasil
Enquanto a sociedade foca no servidor público que recebeu a propina, o empresário que pagou segue impune. A corrupção no Brasil começa onde menos se olha: no setor privado.
Quando se fala em corrupção no Brasil, a imagem que vem à mente do cidadão médio é quase sempre a mesma: políticos engravatados, gabinetes com malas de dinheiro, licitações fraudulentas, obras superfaturadas. É a figura do “corrompido” – geralmente um agente público – que estampa manchetes, vira alvo de revolta nas redes sociais e, em alguns raros casos, acaba na prisão. Mas há um lado da moeda que quase nunca ganha a mesma atenção: o corruptor.
Quem oferece a propina? Quem paga por decisões favoráveis no Congresso? Quem patrocina campanhas em troca de favores futuros? Quem se beneficia, de fato, das brechas na lei?
A resposta, na maioria das vezes, está no setor privado. Empresas, empresários e grupos econômicos que, silenciosamente, corrompem o sistema para manter privilégios, ampliar lucros e influenciar políticas públicas – muitas vezes sob o manto da legalidade.
Diferente da caricatura do político corrupto pego em flagrante, o corruptor moderno opera com estratégia. Não age com dinheiro vivo em malas, mas sim através de contratos disfarçados, doações eleitorais, lobbies estruturados, patrocínios, consultorias e serviços jurídicos que camuflam o real objetivo: comprar decisões.
Grandes escritórios de advocacia, agências de publicidade e consultorias prestam serviços a governos enquanto também representam interesses privados que se beneficiam de políticas públicas específicas. Muitas vezes, atuam como pontes entre os mundos público e privado, promovendo o chamado “mascaramento cruzado” – uma forma de ocultar a corrupção sob a aparência de legalidade.
Há corrupção que sequer é considerada crime — e esse talvez seja o maior problema. A legalização da influência privada sobre o setor público ocorre com tanta naturalidade que poucas pessoas se dão conta de que estão diante de um sistema corrupto. A prática de nomear parentes de aliados políticos em cargos comissionados — por exemplo — burla a legislação sem jamais ser oficialmente denunciada.
A distribuição de cargos entre parlamentares de partidos aliados, em troca de apoio político, é outro exemplo de corrupção institucionalizada e normalizada. O sistema permite, por omissão e conveniência, a existência de um modelo de poder onde as regras são moldadas para proteger o corruptor.
Quando um escândalo estoura, os holofotes quase sempre recaem sobre o servidor público que recebeu a vantagem indevida. Pouco se fala de quem ofereceu. E menos ainda se vê a responsabilização penal do agente privado que iniciou o ato ilícito.
Na Operação Lava Jato, por exemplo, dezenas de políticos foram presos. No entanto, os grandes executivos e donos de empreiteiras, mesmo após firmarem delações, não enfrentaram o mesmo rigor da lei. Em muitos casos, conseguiram acordos confortáveis e continuaram à frente de seus impérios. O corruptor foi poupado; o corrompido, exposto.
A raiz do problema é ainda mais profunda: não há no Brasil uma estrutura institucional realmente independente para investigar o setor privado com o mesmo rigor aplicado ao setor público. A Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Polícia Federal agem majoritariamente sobre órgãos públicos. A Receita Federal até pode identificar fraudes fiscais, mas raramente conecta essas ações à prática da corrupção.
Além disso, falta o principal: vontade política. Como esperar que os próprios beneficiários desse modelo criem leis que obriguem empresas a prestarem contas com transparência, ou que dificultem a circulação de dinheiro escuso entre campanhas e lobbies? Seria o equivalente a pedir ao lobo que escrevesse as regras de proteção do galinheiro.
É preciso mudar a forma como o Brasil enxerga a corrupção. Ela não é apenas um fenômeno da máquina pública. É um pacto entre interesses privados e estruturas estatais, muitas vezes iniciado e financiado por grandes grupos econômicos.
Enquanto o olhar do cidadão continuar limitado à figura do político corrupto, o sistema seguirá intacto. É hora de exigir que o corruptor apareça, seja investigado e punido com o mesmo rigor que o corrompido.
Afinal, sem corruptor, não há corrupção.
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