Uruguai, Rio de Janeiro e o BNDES no novo equilíbrio logístico do Cone Sul
J. Carlos de Assis, Editor-Chefe
Por décadas, o debate sobre integração regional no Cone Sul oscilou entre discursos ideológicos e projetos excessivamente estatizantes, frequentemente desconectados da realidade produtiva, logística e territorial. O resultado foi previsível: boas intenções, baixa execução e corredores internacionais subutilizados.
O cenário internacional, no entanto, mudou de forma significativa.
Os Estados Unidos vêm intensificando sua presença estratégica na América do Sul, com atenção especial ao Paraguai — país que hoje ocupa posição-chave em termos energéticos, logísticos e geopolíticos. Esse movimento não se dá por afinidade ideológica, mas por pragmatismo: infraestrutura, cadeias produtivas e logística são instrumentos centrais de poder econômico e estabilidade regional.
Nesse novo contexto, o Brasil precisa reavaliar sua própria inserção no Cone Sul com menos retórica e mais racionalidade econômica. E o Uruguai ocupa posição singular nessa equação.
Ao longo do eixo Sant’Ana do Livramento –Rivera – Tacuarembó – Paso de los Toros –Florida – Montevidéu, há uma combinação rara: base agropecuária de alta qualidade, estabilidade institucional, baixa densidade populacional e acesso a um porto internacional eficiente e competitivo. Ainda assim, essa região permanece subexplorada do ponto de vista logístico e industrial, não por ausência de produção, mas por falta de coordenação bilateral e integração funcional.
A ativação inteligente desse corredor — com foco em consolidação de cargas, agregação de valor local e uso do Porto de Montevidéu como hub natural — não representa concorrência ao Brasil. Ao contrário: representa uma extensão funcional da economia brasileira, especialmente para o Sul do país, hoje penalizado por longas distâncias até portos congestionados, custos elevados e elevada burocracia.
É nesse ponto que o Rio de Janeiro assume papel estratégico complementar. Como sede histórica de estruturas financeiras, institucionais e de governança, o Rio conecta capital, coordenação e mercado consumidor. Sua proximidade com São Paulo e com o Sudeste amplia essa centralidade. Trata-se de uma lógica clássica de economia política: produção onde há vocação territorial; capital, governança e consumo onde há densidade econômica.
Projetos privados estruturados, binacionais, institucionalmente independentes e orientados à eficiência cumprem hoje um papel que o Estado, isoladamente, não consegue mais exercer com agilidade. Eles organizam fluxos, reduzem riscos, criam previsibilidade e permitem que políticas públicas atuem como catalisadoras — não como executoras diretas.
É justamente aqui que o BNDES se insere de forma estratégica.
O banco possui uma longa tradição de apoio a projetos estruturantes de infraestrutura, logística e desenvolvimento territorial. No atual contexto, seu papel não precisa ser o de financiador exclusivo ou indutor artificial de demanda, mas o de instituição âncora de coordenação, capaz de reconhecer, apoiar e escalar arranjos privados que já nascem financeiramente responsáveis, institucionalmente sólidos e alinhados ao interesse público.
Corredores logísticos binacionais, plataformas de consolidação de cargas e ecossistemas produtivos colaborativos oferecem ao BNDES algo cada vez mais raro: projetos que não dependem de subsídios permanentes, que não pressionam o orçamento público e que geram impacto territorial positivo mensurável, tanto no Brasil quanto nos países vizinhos, como é o caso da Pampa Log, iniciativa privada independente, que vem sendo coordenada pelo grupo Videirainvest, com sede no Rio de Janeiro.
Ao fortalecer corredores funcionais no Cone Sul, o Brasil amplia sua competitividade exportadora, reduz assimetrias regionais, diversifica rotas logísticas e contribui para a estabilidade econômica do entorno imediato — exatamente o tipo de efeito sistêmico que historicamente orientou a atuação do banco.
Em um mundo marcado por cadeias produtivas fragmentadas, tensões geopolíticas crescentes e disputas silenciosas por infraestrutura, quem organiza logística organiza poder. O Brasil tem no Uruguai um parceiro natural — discreto, confiável e institucionalmente sólido— e no Rio de Janeiro uma plataforma histórica de capital e coordenação.
Reconhecer, apoiar e estruturar essa equação não é apenas uma oportunidade econômica. É uma decisão estratégica.






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