Entre Bretton Woods e Santana do Livramento

Para onde vai valor real da moeda?


Entre Bretton Woods e Santana do Livramento

EDITORIAL

Diante da publicação recente do artigo “Trump e o colapso silencioso do dólar”, assinado por dois dos maiores economistas funcionalistas brasileiros — J. Carlos de Assis e Luiz Gonzaga Belluzzo —, é inevitável lançar um olhar alternativo, porém complementar, sobre o momento histórico em que vivemos. A pergunta que  inquieta é simples: qual moeda realmente vale a pena? E por que essa resposta não está mais em Washington, Davos ou Pequim — mas talvez em Santana do Livramento, no nobre chão do pampa gaúcho e nas demais centenas de regiões vocacionadas do Brasil?


O texto de Belluzzo e Assis é consistente ao apontar que o valor do dólar está cada vez mais desvinculado de sua base industrial e fiscal. Trump teria desorganizado o sistema monetário global ao elevar tarifas, expulsar fornecedores e empurrar os países a buscarem novas zonas monetárias. Em tese, isso abriria espaço para novas moedas — inclusive as dos BRICS — assumirem protagonismo comercial e financeiro global.


Mas há um ponto respeitosamente divergente: a soberania não é um jogo que se decide no topo. A moeda que sobrevive não é a que impõe, mas a que organiza. O sistema de Bretton Woods — ainda que baseado na força dos tanques e da indústria americana — só se impôs porque respondeu a uma necessidade prática de coordenação global num momento de reconstrução. Tinha propósito, tinha lastro, tinha produção. O valor da moeda, mesmo no mundo fiduciário, ainda depende da capacidade de transformar recursos, gerar excedentes e reinvesti-los em bem-estar.


A pergunta, então, não é apenas o que Trump faz com o dólar — mas o que o Brasil tem feito com o real. E, sobretudo, o que poderia fazer.


Enquanto assistimos à disputa entre potências por moedas digitais estatais, ouro, SDRs, lastros em commodities ou acordos bilaterais de trocas em moedas locais, o Brasil permanece como um espectador desorganizado de uma corrida cujo prêmio — a soberania produtiva — ainda nos escapa. Continuamos exportando minério e soja, importando chips e tecnologia, e dependendo da arbitragem de câmbio feita por operadores globais que nada conhecem de nossas potencialidades.


Mas e se a resposta estivesse aqui?


E se, em vez de tentar reinventar Bretton Woods ou se alinhar a fóruns multilaterais que perpetuam a dependência, apostássemos em criar ecossistemas produtivos reais, em territórios reais, com comunidades reais?


Essa é a proposta de Santana do Livramento, e de outras dezenas regiões do país que começam a se articular em torno de uma lógica diferente: a moeda vale se for expressão da produção. Vale se estiver vinculada à transformação de recursos naturais em valor agregado, ao emprego, à reinversão local e à autonomia das comunidades. Vale se circular entre quem planta, processa, distribui e consome — e se gerar excedente que possa ser trocado com outros territórios em pé de igualdade.


Nem Trump, nem Mao:  líder, ícone ou ditador de estimação não é projeto de soberania. A História está cheia de armadilhas emocionais que seduzem os povos a idolatrar figuras que prometem resgatar o orgulho nacional à força. Mas o verdadeiro caminho soberano não está no enfrentamento retórico a potências, nem na adesão cega a salvadores da pátria. Seja com botas ou ternos bem cortados, o autoritarismo sempre cobra seu preço — em liberdade, em sangue e em estagnação. A soberania que propomos nasce do solo: das mãos que plantam, das redes que cooperam, da inteligência que agrega valor e da comunidade que decide. A pátria não se fortalece com imposições verticais, mas com raízes fortes e decisões próprias.


Em vez de redesenhar um sistema monetário mundial ideal, propomos algo mais modesto — e mais transformador: plantar o valor da moeda no chão. Fazer com que o real seja realmente real — e não apenas no nome.


Para onde vai o valor da moeda? Vai para onde ela é necessária. Para onde há produção, inovação, partilha e sentido. Vai para onde o povo brasileiro decidir que o futuro vale mais do que a dependência.


Esse lugar pode não ser Bretton Woods. Pode ser Santana do Livramento. Ou qualquer outro ponto do Brasil onde o chão vire valor, e o valor vire soberania.






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