Faltam alimentos, sobra solo. E o Rio precisa plantar seu futuro

Um chamado à reorganização produtiva para alimentar com justiça e regenerar com inteligência o solo fluminense


Faltam alimentos, sobra solo. E o Rio precisa plantar seu futuro Cultive informação de qualidade: pix@tribuna.com.br

O que falta na mesa do morador e do turista do Rio de Janeiro?

No início do ano, o carioca tentou comprar abacate — e desistiu. Não pelo gosto, mas pelo preço. No mês seguinte, foi a vez da alface e do coentro sumirem das prateleiras. Batata-doce? Mandioca? Só com sorte ou boa vizinhança. Produtos essenciais, antes triviais, estão cada vez mais caros ou ausentes. E não se trata apenas de inflação: é desorganização territorial e produtiva.


Na capital do Rio de Janeiro — uma metrópole cercada por regiões agricultáveis — o problema não é acesso, mas a ausência de um planejamento que integre solo fértil, logística justa e consumo inteligente. A escassez de alimentos não é apenas um risco nutricional: é um retrato das brechas de um sistema desatento à sua própria terra.


Dados recentes da CEASA-RJ apontam oscilações semanais de até 400% nos preços de hortaliças e frutas, mesmo fora de períodos de entressafra. Em bairros como Madureira, Campo Grande ou Laranjeiras, feirantes relatam que já deixaram de expor certos itens pela falta de previsibilidade de abastecimento.


Rastros da falta – quando a terra produz, mas o alimento não chega

A verdade é que o estado do Rio de Janeiro produz menos do que poderia — e distribui pior do que deveria. Dados da EMATER mostram mais de 28 mil hectares cultivados por quase 12 mil produtores, com vocação para alimentos frescos, saudáveis e diversificados. No entanto, essa produção sofre com três barreiras silenciosas:


1. Falta de orientação de plantio com base na demanda urbana real;


2. Dificuldade de obtenção de fertilizantes acessíveis e apropriados;


3. Uma cadeia de distribuição fragmentada, onde o atravessador, pressionado por custos e distâncias, atua mais como sobrevivente do que como aliado da solução.


Mas há uma janela de transformação. Em vez de excluir intermediários, o novo modelo os convida a cooperar com inteligência. Com o apoio de estruturas logísticas locais, redes digitais de rastreabilidade e parcerias produtivas, o papel do atravessador pode ser ressignificado como um articulador de valor e justiça na mesa do consumidor.


A proposta regenerativa – restaurar o solo, reordenar a produção, alimentar com coerência

A escassez de alimentos frescos e saudáveis nas prateleiras cariocas não é apenas uma consequência da crise climática ou da alta dos insumos. É, sobretudo, um efeito do esgotamento de um modelo de produção desconectado do solo, da logística local e da realidade do consumo urbano.


No entanto, há tecnologias sociais e ambientais já disponíveis que permitem virar esse jogo. Em regiões como Tanguá, Silva Jardim, Magé e Seropédica, unidades compactas de transformação de resíduos orgânicos em biofertilizantes estão mostrando que é possível regenerar o solo com o que antes era descarte.


Essas estruturas — chamadas de URTRs (Unidades de Reciclagem e Transformação Rural) — funcionam como o motor silencioso de um novo ecossistema. Elas recebem restos de feiras, podas urbanas, resíduos agroindustriais e alimentares, e os transformam, em poucas semanas, em fertilizante organofértil de alta performance, devolvendo vida ao solo e permitindo a produção de alimentos sem depender de insumos químicos importados.


Mais do que infraestrutura, as URTRs representam uma mudança de mentalidade: transformar passivo urbano em ativo rural. Nutrir o campo com os excessos da cidade. E, sobretudo, garantir que o agricultor familiar tenha acesso a insumos de qualidade sem precisar se endividar.


Por serem modulares, essas unidades podem ser implantadas em consórcios intermunicipais, cooperativas, assentamentos, colégios agrícolas ou zonas de logística reversa, permitindo que cada território se torne protagonista de sua segurança alimentar.


O que antes era lixo, hoje vira alimento com rastreabilidade e justiça. Esse é o verdadeiro ciclo virtuoso que o Rio de Janeiro precisa semear.


O que plantar, onde plantar e por que

Plantar bem não é apenas plantar certo. É plantar com propósito. E propósito, no Rio de Janeiro, significa produzir aquilo que falta nas prateleiras — e sobra em potencial nos nossos solos.


Com base em levantamentos da CEASA-RJ, dados da EMATER e monitoramento de mercado em tempo real, foi possível identificar os alimentos com maior escassez, volatilidade de preço e risco de intermediação especulativa. São itens que os consumidores querem, mas o sistema atual entrega mal — ou não entrega.


Entre os 10 produtos prioritários, estão clássicos da alimentação fluminense como abacate, aipim, alface, batata-doce, feijão-carioca, cenoura, coentro, chuchu, abobrinha e quiabo. Eles são parte da merenda, da feira, da cozinha popular, do PF de R$ 10 — e também das marmitas gourmets. Todos faltam, em algum momento, para alguém.


Mas não basta dizer “plante mais abacate”. É preciso dizer onde, como e com que suporte. E esse é o papel do novo ecossistema agroambiental que se estrutura no estado.


Exemplos:


  • Abacate → Cachoeiras de Macacu (clima úmido, fruticultura já instalada)
  • Alface → Tanguá e Seropédica (proximidade da capital, ciclo curto)
  • Aipim → Rio Bonito e Casimiro de Abreu (base alimentar tradicional)
  • Feijão-carioca → Magé e Paracambi (demanda popular e facilidade de inserção em hortas)


Essas combinações consideram: demanda reprimida, aptidão climática/agrícola e infraestrutura de apoio e rastreabilidade.


O agricultor que planta o que falta e entrega com rastreabilidade colhe mais que alimento — colhe respeito, valor e permanência na terra.


Plantar também é educar

Se o solo precisa de biofertilizante, o produtor precisa de conhecimento, assistência e inclusão. Nenhuma mudança produtiva será duradoura se não for acompanhada de formação continuada, apoio técnico e estrutura de escoamento justo.


É nesse ponto que entra o IVAARJ – Instituto da Valorização Agro Social e Ambiental do Estado do Rio de Janeiro, entidade que a TRIBUNA DA IMPRENSA firmou um convênio para dar suporte às matérias que publica.


Mais que um parceiro técnico, o IVAARJ atua como o elo pedagógico e social de todo esse sistema agroambiental. Através dele, agricultores familiares recebem:


  • Assistência técnica para transição agroecológica;
  • Capacitação sobre uso de fertilizantes orgânicos, manejo do solo e rastreabilidade; 
  • Acesso facilitado a insumos regenerativos; 
  • Integração com plataformas digitais e redes de escoamento solidário;
  • Pontes com programas de compras públicas e consumidores conscientes.


O IVAARJ também trabalha com escolas técnicas, hortas urbanas, grupos de mulheres, juventudes e povos tradicionais, garantindo que a nova agricultura fluminense seja inclusiva, justa e viável.


O que o adubo faz com a terra, a assistência faz com o agricultor: ativa a vida e faz brotar novos ciclos.


Um chamado à ação – quem planta junto, colhe justiça

O que você come depende de quem planta. E quem planta, precisa saber que não está sozinho.


A reorganização produtiva do estado do Rio de Janeiro não depende apenas de produtores rurais. Ela depende de prefeituras, secretarias, cooperativas, escolas, restaurantes, instituições públicas, hospitais, compradores conscientes e políticas públicas alinhadas.


Cada ator tem um papel:


  • Prefeituras podem adotar sistemas de transformação de resíduos em biofertilizantes como política de resíduos + desenvolvimento rural;
  • Compradores institucionais (PNAE, hospitais, cozinhas solidárias) podem priorizar alimentos rastreados e regenerativos;
  • Cooperativas e atravessadores podem atuar como organizadores éticos da logística; 
  • Restaurantes e varejo podem contar a história do ingrediente que servem; 
  • Escolas e universidades podem formar a nova geração de agricultores regenerativos.

O ecossistema já começou. Agora, o desafio é conectar as pontas com inteligência, coragem e propósito.


O futuro da alimentação no Rio de Janeiro não será importado. Ele será plantado aqui mesmo — se escolhermos plantar juntos.






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