Jose Carlos de Assis
Donald Trump deve esperar se decidir invadir a Venezuela
J. Carlos de Assis, Editor-Chefe
Os americanos não aprendem. Depois da flagrante e humilhante derrota depois de 20 anos de guerra no Vietnã, eles se meteram com os talibãs no Afeganistão. Foram mais 20 anos de guerra, dessa vez contra os Talibãs, e foram igualmente derrotados e humilhados. Fugiram dos dois países de forma aviltante com soldados e refugiados caindo de helicópteros e escapando para aviões de carga às pressas e de forma desordenada. Pareciam ratos fugindo de gatos.
Joe Biden, depois da surra imposta à maior potência militar do mundo por um exército de guerrilheiros formado por maltrapilhos, deu-se conta de que era melhor ficar em casa e evitar conflitos armados. Em seu primeiro discurso depois de sua posse como presidente perante a Assembleia Geral da ONU, declarou solenemente que a era das guerras havia acabado. Em seu lugar, proclamou, chegou “a era da diplomacia”.
Pura hipocrisia. Como grande parte do povo americano estava cansado de conflitos externos, inclusive eleitores republicanos, a sede sangue do decrépito Presidente seria saciada com a guerra “por procuração” que, através da incitação da OTAN, o Presidente até então inexpressivo da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, praticamente tornou inevitável. É que, em face da ameaça a sua soberania devido à insistência de Kiev de entrar na aliança militar ocidental, a reação de Moscou era previsível. Deu no que deu.
Agora o sucessor de Biden e dos presidentes que, desde os anos 50, fizeram a escalada desastrosa da guerra do Vietnã, quer se meter com a Venezuela. Se decidir internar-se na Amazônia venezuelana, como seus predecessores no caso vietnamita, Donald Trump pode ter o mesmo destino deles. Maduro não é Sadam Hussein, seus milicianos são patriotas fieis e o território venezuelano não é um deserto. É parte de uma imensa floresta.
Lutar contra combatentes na selva, como mostrou a guerra do Vietnã, é uma tarefa extremamente complicada. Pelo ar, os supercaças americanos terão pouca serventia, atirando bombas do alto meio à revelia. É claro que há instrumentos de precisão que orientam as bombas pelo calor ou pela sombra humanos, mas com táticas de guerrilha de gente experimentada na área, a que certamente recorreriam Maduro e seus oficiais e soldados, haveria múltiplos esconderijos para escapar das bombas, e preparar contra-ataques furtivos.
Combates em terra ainda são mais difíceis. O número de soldados americanos que entrariam no conflito seria efetivamente muito menor do que centenas de milhares de soldados e milicianos liderados pelo líder venezuelano, que teria ainda a vantagem do conhecimento do terreno. Já os navios, assim como os aviões, poderiam arrasar Caracas e outras cidades do interior com bombardeios, mas isso não significa que a situação militar em todo o País seria estabilizada.
Na verdade, o que os EUA de Trump querem da Venezuela são suas reservas de petróleo, as maiores do mundo. Isso nada tem a ver com narcotráfico ou com democracia. Se fosse um democrata, Trump não tentaria jogar a Presidência do Brasil contra outro Poder da República, o Supremo Tribunal Federal, em apoio a um bandido que tentou um golpe de Estado que por pouco não afundou o País no caos.
Entretanto, para por as patas nas reservas de petróleo venezuelano, mesmo que o faça num primeiro momento, Trump terá que enfrentar uma guerra prolongada contra guerrilheiros nacionalistas. Não seria muito diferente da que quatro presidentes norte-americanos, de Eisenhower a Nixon, tiveram de enfrentar dos anos 1950 aos 70, assim como ele próprio e outros três presidentes enfrentaram contra os talibãs nos anos 90. Até que, nesse caso, com extrema humilhação, Biden pulou fora do Afeganistão com soldados e refugiados pingando de aviões em decolagem.
Os grandes aparatos militares na guerra moderna são pouco eficientes contra guerrilheiros. Principalmente quando esses últimos são movidos por motivos ideológicos ou nacionalistas. Sabe-se disso desde que os rebeldes de Fidel Castro derrubaram a ditadura sanguinária de Batista. Nas situações em que grandes exércitos se confrontam em campos de batalha abertos, como no caso do Iraque, a vitória cabe efetivamente ao mais poderoso militarmente. Contra guerrilheiros a situação é bem diferente.
Certamente que, no caso da Venezuela, haveria a questão dos suprimentos de armamentos e comida para sustentar a guerrilha e engrossar as tropas. Enganam-se quem pensa que Maduro não tenha aliados. Lá estão, no nível mais alto, China e Rússia, para suprir armas modernas que entrariam no País de alguma forma – se é que já não entraram. Nos níveis intermediários e baixos, estariam Cuba e Nicarágua, e outras nações nacionalistas sul americanas contrárias ao imperialismo, somando homens aos combatentes internos.
Mesmo países da América Latina que haviam se oposto a Maduro por sua rejeição ao resultado das últimas eleições estariam numa situação bem mais confiável hoje para apoiá-lo de alguma forma se a Venezuela vier a ser invadida. É que, se um mandato conquistado numa eleição é um componente fundamental da democracia, por certo que o exercício do mandato conta mais que o resultado da eleição. E o exercício do mandato de Trump é uma clara traição a ideais verdadeiramente democráticos, e uma espécie de chancela ao mandato do líder venezuelano.
De fato, o presidente americano viola descaradamente direitos humanos quando persegue imigrantes, direitos à vida no corte de recursos destinados à saúde, inclusive vacinas, direitos à educação quando ataca universidades, e ainda quando nega princípios de cooperação entre os povos, que estão nos alicerces das relações internacionais tradicionais dos Estados Unidos. Numa palavra, se algum dia existiu realmente, a democracia americana, sob ele não existe mais.
Também não existe no plano institucional. Numa verdadeira caça às bruxas que ele falsamente quer imputar ao Governo brasileiro, Trump não respeita a independência entre os poderes da República, demite juízes e promotores que tomam decisões contra seus decretos, e tentou afastar do cargo até mesmo uma diretora do FED, o banco central americano, cujo mandato é protegido constitucionalmente.
O fato é que, sob Donald Trump, a democracia americana, que se apresentava como a mais antiga e mais estável do mundo, tornou-se a mais fraca e mais instável. Se ela reflete uma característica fundamental do povo, é algo a ser visto nas próximas eleições, que determinarão, em outubro do próximo ano, uma nova composição do Congresso. Caso o Partido Republicano vença, convém começarmos a pensar num novo tipo de sociedade, mais cooperativo, mais próspero e menos imperial, como é o modelo econômico e social que despontou na China com Xi Jingping como nova e inquestionável liderança mundial.



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