Fernando Peregrino
Projeto Nacional e Engenharia
Ciencia, Projeto Nacional
Engenharia, ciência e projeto nacional.
O Brasil vive um paradoxo inquietante. Nunca dispôs de tanta capacidade científica instalada, de universidades consolidadas e de quadros técnicos altamente qualificados. E, no entanto, segue incapaz de transformar esse patrimônio em um projeto nacional abraçado pela Nação brasileira efetivamente de desenvolvimento econômico, tecnológico e social. Uma das razões centrais para esse impasse é a fragmentação entre engenharia, ciência e Estado — frequentemente substituída por divisões corporativas que enfraquecem a ação estratégica do país.
Esse tipo de corporativismo, quando se impõe ao interesse nacional, não fortalece profissões nem instituições: ele as isola de um projeto nacional. Exemplos como o corporativismo atrapalha o estado a se guiar pelo interesse nacional é o engessamento do orçamento público por vinculações legais, benefícios setoriais, uma burocracia apoiada numa casta de controle burocrático, setores do capital protegidos com incentivos desvinculados de um projeto de nação, profissões que disputam prerrogativas formais mais que missões, entre tantos outros. Em vez de organizar capacidades para enfrentar desafios estruturais, o corporativismo transforma o debate público em uma soma de reivindicações setoriais, de autoproteções, em seus espaços formais, mas incapaz de construir soluções multisetoriais de escala nacional.
A engenharia sente esse processo de forma particularmente aguda. Em países que lograram êxito em seus projetos de desenvolvimento — como Alemanha, Coreia do Sul e China — a engenharia foi concebida como função estratégica do Estado e da sociedade, articulada à ciência, à indústria e às políticas públicas. Nessas experiências, não se trata de reserva de mercado ou de disputa de atribuições, mas de missões nacionais claramente definidas: infraestrutura, reindustrialização, transição energética, soberania tecnológica e defesa.
No Brasil, ao contrário, a engenharia e a ciência muitas vezes caminham em trilhas paralelas. A produção científica avança, mas não escala. A engenharia resiste, mas se fragmenta. O Estado oscila, capturado por vetos corporativos que dificultam planejamento, execução e continuidade de políticas estruturantes. O resultado é conhecido: obras atrasadas, dependência tecnológica externa, perda de capacidade industrial, frustração de talentos e fragmentação de esforços.
É preciso romper esse ciclo imposto pelo corporativismo. O país necessita, com urgência, de uma aliança estratégica. entre engenharia e ciência, e outros setores sociais, capaz de dialogar de forma madura e permanente com o Estado e com o setor produtivo. Essa aliança não deve ser corporativa, mas nacional; não defensiva, mas propositiva; não voltada ao passado, mas apoiada nele e orientada ao futuro.
Essa convergência passa por alguns eixos fundamentais. Primeiro, a reconstrução do planejamento público como instrumento legítimo de desenvolvimento, com missões claras e metas de longo prazo. Segundo, a integração efetiva entre universidades, centros de pesquisa, empresas de engenharia e cadeias produtivas, superando a separação artificial entre quem pensa, quem projeta e quem executa. Terceiro, a modernização da governança do Estado, para que regras, controles e regulações sirvam à entrega de resultados — e não à paralisia decisória pelo medo que leva ao apagão das canetas.
O Clube de Engenharia tem um papel histórico e contemporâneo nesse debate assim como as entidades que compõe a representação do setor. Desde sua origem, foi espaço de formulação estratégica, de defesa do interesse nacional e de articulação entre saber técnico e projeto de país. Retomar esse papel com uma visão multisetorial é mais do que uma responsabilidade institucional; é uma necessidade histórica.
A engenharia brasileira não pode se contentar em administrar escassez, arbitrar disputas internas ou defender prerrogativas formais.
Sem engenharia não há projeto nacional, sem dúvida. Por sua vez, sem ciência não há futuro. Sem a aliança entre ambas, o país continuará prisioneiro do curto prazo e refém de seus próprios bloqueios. A escolha está posta — e o tempo, como sempre, não joga a nosso favor.
Fernando Peregrino, D.Sc.
Pro-reitor de gestão e governança da UFRJ
Vice-Presidente do Clube de Engenharia do Brasil
Francis Bogossian
Presidente do Clube de Engenharia do Brasil



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