Dr. Vitor Monteiro

O mercado de crédito de carbono

Fragilidades institucionais, riscos sistêmicos e o entendimento dos Tribunais Superiores

Imagens criadas por I.A. - ChatGPT
O mercado de crédito de carbono

O mercado de crédito de carbono constitui um instrumento econômico de fundamental importância na luta contra as mudanças climáticas, permitindo a compensação de emissões de gases de efeito estufa (GEE) por meio da aquisição de créditos oriundos de projetos que promovem a redução, remoção ou sequestro de emissões. No Brasil, além de iniciativas no âmbito voluntário e regulado, destaca-se a política do ICMS Ecológico, ou ICMS Verde, que busca, por meio de critérios ambientais, redistribuir parcelas da receita tributária aos municípios que preservam o meio ambiente, estimulando políticas públicas locais de conservação.

Entretanto, a operacionalização desse mercado revela severas fragilidades institucionais que comprometem sua integridade, eficiência e credibilidade. Um dos principais problemas reside na atuação das empresas certificadoras, encarregadas da validação e verificação dos projetos de carbono. A ausência de uniformidade nos critérios utilizados e a adoção de padrões inconsistentes por parte dessas entidades têm permitido a emissão de créditos sem adequada comprovação da adicionalidade, isto é, da efetiva contribuição ambiental do projeto para a redução de emissões, conforme preconizam as boas práticas internacionais definidas, por exemplo, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e pela Convenção -Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).

Adicionalmente, a ocorrência de registros em duplicidade — quando um mesmo crédito é contabilizado mais de uma vez — tem se tornado uma prática recorrente, resultante da inexistência de um sistema global, padronizado e integrado de registro de créditos de carbono. Tal falha operacional gera riscos sistêmicos de superestimação dos resultados ambientais e fragiliza a rastreabilidade e a transparência das transações, elementos fundamentais para assegurar a confiança no sistema. Além disso, a circulação de créditos não registrados ou não lastreados em dados verificáveis configura grave ameaça à credibilidade do mercado, facilitando práticas fraudulentas e o denominado greenwashing, isto é, a promoção de uma imagem ambientalmente responsável sem que haja efetiva contribuição à sustentabilidade.

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vêm, de forma reiterada, consolidando entendimentos que reforçam a centralidade do princípio da prevenção e do desenvolvimento sustentável na formulação e execução de políticas públicas ambientais. No julgamento do RE 586224/PR, com repercussão geral (Tema 423), o STF fixou a tese de que: 

“É constitucional a norma estadual que, no exercício da competência prevista no art. 158, inciso IV, da Constituição, fixa critérios ambientais para repartição do produto da arrecadação do ICMS entre seus municípios.”

Neste julgamento, prevaleceu o entendimento de que o ICMS Ecológico representa importante instrumento de indução de políticas públicas ambientais, legitimado pelos princípios da proteção do meio ambiente e da cooperação federativa.

No mesmo sentido, o STJ, ao julgar o REsp 1590922/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 29/06/2017, consolidou a compreensão de que:

“O ICMS Ecológico configura-se como legítima política pública ambiental, mediante estímulo fiscal, que visa fomentar a preservação e a manutenção de áreas ambientalmente protegidas pelos municípios.”

Esse entendimento evidencia o respaldo jurídico da utilização de instrumentos tributários e econômicos como ferramentas de governança ambiental, incluindo os mecanismos relacionados ao mercado de carbono.

Do ponto de vista normativo, destaca-se a ausência, no Brasil, de uma legislação federal específica que regulamente de forma sistemática o mercado de crédito de carbono. Embora o Decreto nº 11.075/2022 tenha instituído os procedimentos para elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação e instituído o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare), tal norma ainda carece de regulamentações complementares para se tornar plenamente operacional. Essa lacuna acentua as dificuldades de fiscalização e controle, permitindo a proliferação de créditos de qualidade duvidosa e registros não conformes.

Nesse contexto, revela-se indispensável a adoção de medidas que fortaleçam a governança do mercado de carbono, a exemplo da implementação de sistemas integrados e transparentes de registro, capazes de evitar a duplicidade de créditos e assegurar a rastreabilidade das transações. Igualmente necessária é a definição de parâmetros técnicos uniformes para as certificadoras, de modo a garantir a integridade e a adicionalidade dos créditos gerados. A criação de um arcabouço regulatório nacional robusto, associado a políticas públicas que incentivem práticas empresariais ambientalmente responsáveis, mostra-se fundamental para conferir segurança jurídica e atrair investimentos para o setor.

Portanto, embora o mercado de crédito de carbono e instrumentos como o ICMS Verde sejam importantes mecanismos de valorização dos serviços ecossistêmicos e de promoção da sustentabilidade, sua plena efetividade depende da superação das fragilidades institucionais atualmente observadas. O fortalecimento da governança, da fiscalização e da segurança jurídica, alinhado aos entendimentos firmados pelos Tribunais Superiores acerca da centralidade da proteção ambiental, constitui elemento indispensável para que tais instrumentos cumpram sua função de induzir a transição para uma economia de baixo carbono e garantir a efetividade das políticas públicas ambientais.


Vitor Monteiro 
é Servidor Público Federal do Ministério Público da União e Colaborador da Tribuna da Imprensa.



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